O meu filho é Autista

O meu filho foi e é a maior alegria da minha vida! Dizem que quando nasce um filho, nasce uma mãe e foi isso que senti. Aliás, já era mãe desde o momento em que soube que estava grávida, fui mãe desde os cuidados com alimentação, descanso, vitaminas extra, atividade física, consultas regulares (tinha 35 anos e na Bélgica, onde vivia na altura, seguem com mais assiduidade que o normal as grávidas a partir dessa idade). Tudo em prol de fazer o melhor pelo meu filho. Os pais sonham sempre em ter filhos saudáveis, inteligentes, bonitos, capazes de tudo e eu não era diferente, apesar de ter receios como acho normal acontecer. Mas, a cada ecografia e outros exames vinha um “Está tudo bem, o bebé é perfeito!” e lá vínhamos nós pais, mais sossegados e super felizes. Claro que às vezes conversávamos sobre possíveis questões que só se percebem quando os bebés nascem ou anos mais tarde, mas logo a seguir vinha um “vai correr tudo bem”. É sempre esse o maior desejo dum pai ou mãe.

Apesar de nascer um bebé pequenino, mais cedo do que o previsto (ameaçou às 35 e veio às 37 semanas), estava tudo bem. Alívio total nos minutos a seguir a nascer.

Nesses primeiros 3 meses e meio, só ouvíamos choro, bolsar constante, gritos de dor até ficar rouco, muitas idas à pediatra, urgência do hospital, exames, experiências com diferentes fórmulas, porque notoriamente o meu leite não lhe fazia bem. Lá descobrimos que era APLV (Alérgico às Proteínas de Leite de Vaca) e que tinha de tomar um leite hidrolisado. Melhorou muito, embora com a introdução alimentar vieram outras alergias/intolerâncias alimentares. Mas por volta dos 2 anos e meio/3 anos passou a conseguir comer de tudo. Um dia posso escrever mais sobre isto.

Em 2018 regressamos a Portugal, o D. tinha 1 ano e 3 meses. Significa que, em março de 2020, quando o COVID-19 aparece e ficamos confinados, já estávamos cá e tinha 2 anos e 8 meses nessa altura. Estando em casa o tempo todo e podendo observar tudo de perto e tantas horas, comecei a achar que alguns comportamentos, algumas questões motoras, não seriam normais. Senti que alguma coisa poderia não estar dentro da norma. A situação permitiu-me ir percebendo melhor estas questões que se calhar numa altura normal poderia ter demorado mais tempo a realizar. Até porque muitas dessas questões que eu via, são mascaradas ou não se notam no contexto escola, por ser um ambiente de rotina, fazem todos os dias as mesmas tarefas, estão em grupo e fazem todos igual. Qualquer pai ou mãe sabe que assim é. Mesmo com crianças típicas que muitas vezes em casa têm comportamentos desafiadores ou não comem determinadas coisas, mas na escola a educadora ou a professora diz que se porta bem dentro do grupo, faz igual aos outros e come de tudo.

Bem, contudo, mesmo antes do confinamento eu já tinha notado uma questão de sigmatismo interdental, a colocação da língua entre os dois dentes incisivos frontais (som /s/ assobiado), mas o meu marido, a educadora e outras pessoas achavam que era próprio da idade e que iria passar com o tempo. Eu fui acatando essas opiniões, mas achava que era demasiado forte o som. Instinto de mãe, será?

Então, voltando ao confinamento, aos poucos eu fui notando algumas questões (farei outro post a falar só sobre isso), mas não podia fazer muito pois tudo estava fechado e eu ainda estava a tentar entender tudo. Acima de tudo a tentar perceber se era só da minha cabeça, ou exagero meu. Às tantas comecei a duvidar ao mesmo tempo que sentia que estava certa, uma dualidade muito grande que estava a dar comigo em doida. Entre confinamentos e não termos acesso a quase nada na vida, passado 1 ano e meio, em setembro de 2021, falo com uma amiga psicóloga e ligada também à área espiritual. Explico o que vejo no meu filho e pergunto a opinião. Aconselhou-me a procurar uma TO (terapeuta ocupacional) e começar por aí, tinha o D. nesta altura 4 anos e 2 meses.

 Consegui consulta numa clínica (privada, claro. outro assunto com pano para mangas) para outubro, com a TO. Conversamos e enquanto isso foi sempre observando o comportamento do D. na sala, a brincar ou a interagir comigo ou com ela. Eu disse-lhe logo de início que achava que o meu filho poderia ter alguma questão, por tudo o que lhe ia relatar, mas não sabia o quê e por isso me sentia impotente em não o conseguir ajudar (pior sensação para uma mãe, geradora de muita culpa interna, angustia, duvidas..). Disse-me no final da consulta, entre outras coisas, que na opinião dela devia ser avaliado imediatamente em TF (terapia da fala) pelo sigmatismo bem notório e por Pediatra do Desenvolvimento para despiste de alguma questão do Transtorno do Neurodesenvolvimento. Insisti para que me dissesse o quê propriamente. Explicou que poderia ser algo do Espectro do Autismo, mas só exames mais detalhados e observação de especialista é que se poderia ter certeza. Desabei! (por fora tentei controlar o choro embora as lágrimas teimavam em ensopar a máscara. Por dentro foi o desespero). Ninguém quer ouvir que o filho tem alguma questão: seja doença, seja transtorno, seja o que for. Já nem ouvi direito o resto, sei que me disse para ter calma que não seria tão grave como noutros casos, pois era um menino que falava, funcional,… Eu já nem estava em mim, admito.

Quando saímos da clínica, depois de respirar fundo umas quantas vezes, viemos para casa a cantar no carro, para desanuviar e tentar parecer tudo normal e tranquilo. Em casa só disse ao meu marido que depois de o deitarmos falaríamos para estarmos à vontade. Expliquei tudo como pude e decidimos marcar imediatamente com a TF e com a Pediatra de Desenvolvimento da mesma clínica. É bom que a equipa multidisciplinar trabalhe junto.

A partir daí começou logo com TO e TF semanal. Quando avaliado pela Pediatra, depois de observar, falar connosco pais, fazer testes (para os pequenos são brincadeiras, jogos), respondermos a inquéritos, deu-nos a opinião: Também achava que o D. tinha uma questão do Transtorno do Neurodesenvolvimento e que para termos certeza absoluta e um diagnóstico fechado, teríamos de ir a uma clínica com psicóloga especializada na área e onde esta poderia fazer estes exames específicos. Perto de nós só tínhamos no Porto e lá marcamos. Nisto tudo, entre consultas e esperas, semanas e meses foram passando. Se não estou em erro foi avaliado 2 ou 3 vezes comigo em sala num canto caladinha para não interferir. A Dra. era maravilhosa com ele. Muita dedicação, atenção, prática, carinhosa. Aliás sentimos isso até hoje com toda a equipa que o acompanha. Respondemos a mais uns inquéritos, separadamente. Pai e mãe não respondem em conjunto e não vêm a resposta do outro, para não influenciar.

Esperamos acho que 2 ou 3 semanas para ter o resultado final de tudo e lá fomos em família novamente ao Porto. Já estávamos em março de 2022, portanto o nosso filho com 4 anos e 8 meses. Não consigo bem descrever, mas, ansiedade muita, curiosidade tremenda, nervos pffff. Contudo a Dra. já tinha indicado para estarmos a contar com diagnóstico para algo neurodivergente. Sentados frente a frente, a tentar respirar e pensar que tinha de estar atenta a tudo para não esquecer nada. Eu sabia que vinha dali algo que ia mudar a nossa vida para sempre, principalmente a do nosso filho e é assustador como o raio! Bem, a Dra. na sua gentileza, paciência e atenção connosco, confirmou que o D. se encontra dentro do Espectro do Autismo e que muito provavelmente teria outra ou outras comorbidades como é natural nos autistas. Comorbidade para quem não entende a linguagem, que eu também tive de aprender, é a associação de duas ou de várias doenças/patologias que aparecem de modo simultâneo num mesmo paciente. No caso dele já lhe parecia que também teria PHDA (perturbação da hiperatividade e défice de atenção), mas que a equipa que o acompanha e só na entrada da escola é que se poderia confirmar.

A avaliação foi realizada com recurso à administração da Escala de Observação para o Diagnóstico do Autismo – ADOS 2 (Autism Diagnostic Observation Schedule e do Questionário para Pais (CBCL) do sistema de avaliação Multitaxial de Achenbach (ASEBA).

Explicou-nos que apesar de no relatório estar escrito moderado, pelos números dos resultados é um autista nível 1 (que antigamente se designava leve, também asperger, termos hoje em desuso).

Tentamos reter toda a informação que nos estava a ser passada, numa linguagem que nunca tínhamos ouvido, com a psicóloga a explicar tudo. Só que o cérebro estava a mil, com questões, duvidas, pânico, e por isso escrevi o que pude, a médica também, foi impecável.

Muitas questões começaram de imediato a aparecer: “é uma condição para a vida?”; “como é que vai ser o futuro do meu filho?”; “Vai poder ser independente?”; “Vai conseguir um emprego, morar sozinho, ter família?”; “Vai ser aceite pela sociedade sem ser olhado de lado, ou como coitadinho?”

Começaram a surgir dúvidas em catadupa! Mas percebemos que não iria ser tudo respondido ali, a maior parte das respostas só saberemos com o tempo, conforme a evolução nas terapias, o nosso trabalho diário em casa com ele, entre muitas outras variantes.

Mas sim, o Autismo é para a vida. Nasce-se autista e é-se para sempre. É genético (97% a 99% dos casos). O Autismo não é uma doença, até porque não tem cura. É uma condição neurológica de desenvolvimento, o que significa que o cérebro se desenvolveu de forma diferente, comparado com o dos não autistas ou típicos.

Pedimos conselhos do que fazer a seguir. A psicóloga além de nos pedir para termos calma, até porque a intervenção precoce pode permitir que as pessoas autistas desenvolvam as suas competências ao máximo, indicou-nos a pedido, livros que poderiam ajudar. Disse também para fazer TO uma vez por semana, TF e Psicologia também. Continuar acompanhado pela Pediatra do Desenvolvimento, que regulará toda o seu desenvolvimento e ditará o que deve ser feito. Explicou que pode e deve continuar com a natação que já fazia desde os 2 anos e continua a fazer 2 vezes por semana. Mais tarde, a pedido da psicóloga que o acompanha semanalmente, também passou a fazer Hipoterapia (Equitação acompanhada de psicólogas especialistas nesta área).

Desde aí faz todas estas terapias. Vimos competências desenvolvidas e adquiridas, retrocessos normais em algumas questões e novamente conquistados. TF depois passou a fazer a cada duas semanas, mais tarde uma vez por mês e desde janeiro deste ano 2024 já não faz, agora com 6 anos e meio. Poderá ser avaliado mais à frente, até porque a dentição está em mudança, toda a boca a sofrer alterações, mas é quase impercetível o sigmatismo. É maravilhoso ter alta de uma terapia! A sensação de que se conseguiu conquistar uma etapa importante para a qualidade da sua vida e é isso que se espera de outras terapias. Que com o tempo precise de fazer cada vez menos vezes, mais espaçadas e até um dia já não precisar mais. Só o tempo dirá.

Nós pais tivemos o nosso processo, não digo de aceitar, pelo menos no meu caso porque eu sabia que algo existia, mas de digerir tudo. Informamo-nos do que é preciso fazer para ter o melhor acompanhamento possível, saber mais profundamente de leis, direitos, terapias, subsídios, forma de viver que lhe dê o melhor que conseguimos com as nossas condições. Continuamos sempre a desbravar tudo o que podemos: workshops, cursos, páginas de Instagram de médicos, especialistas nesta área. Não é só o D. que é autista! Passamos a ser uma família que diariamente lida com esta questão. Passamos a perceber que temos um menino maravilhoso, cheio de capacidades que também é atípico e percebe o mundo de outra forma. E nós somos orgulhosamente uma família atípica e que nos vamos ajustando a tudo que é preciso.

Quanto a família alargada, amigos, conhecidos, perceberem ou aceitarem esta situação, a história é por vezes muito diferente. Esta é uma situação, como outras na vida, em que percebemos logo no momento, mas principalmente com o passar do tempo, quem realmente está connosco, quem aceita ou até se interessa minimamente. Mesmo que não entendam bem, mesmo não querendo sequer saber muito ou ajudar, ou sequer ouvir o que temos para dizer ou pedir em determinadas situações, se aceitarem e respeitarem, já é bom. E nem isso muitas vezes, ou na maioria das vezes, acontece. Nós pais sentimos, o D. também começa a sentir. Situação que daria todo um outro post ou vários. E sei que muitas famílias como nós passam e sentem o mesmo ou parecido.

Rede de apoio quase zero. Muito julgamento e pouca aceitação.

Somos uma família atípica feliz e é isso que nos dá força para tudo. Nem poderia ser de outra forma.

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