Quando decidimos ir a Marrocos entusiasmados com uma viagem barata encontrada por amigos, admito que o primeiro pensamento não foi em como seria a reação do Daniel a esta situação. Estávamos entusiasmados com a viagem, com os amigos que íamos viajar e ir pela primeira vez ao continente africano. Mas logo depois desse excitamento inicial o que me passou pela cabeça foi como faríamos esta viagem com o nosso filho. Começaram a surgir as dúvidas, os medos, se valeria a pena… Mas o medo não se sobrepôs à relevância para todos desta viagem. Com mais calma refleti e percebi mais uma vez, que o medo nos paralisa muitas vezes e faz com que deixemos de viver, de ter experiências que só nos farão bem a todos os níveis.
Pensei muito, refleti todas as possibilidades, tentei perceber tudo o que podia acontecer e como iriamos lidar. Entendemos em casal e com as terapeutas do nosso filho, que iria ser mais benéfico do que prejudicial fazê-lo e as experiências que íamos proporcionar ao nosso filho, a nós enquanto família e junto com estes grandes amigos eram demasiado boas. Adianto desde já que foi maravilhoso para todos, foi enriquecedor e um desafio completamente superado, mesmo com todas as questões que surgiram, mas que foram bem ultrapassadas.
A maior parte dos autistas gosta e precisa de rotina e sair desta zona de conforto, para o Daniel nem sempre é fácil. Aliás para bem da verdade não o é para a maioria das pessoas. Muitas das vezes e provavelmente já o referi, o D. consegue mascarar o que está a sentir. Não o verbaliza porque nem consegue pois pode estar a ser bombardeado com informação e a não saber gerir, ou nem entende que é importante essa partilha para nós o podermos ajudar. Nesta fase com 7 anos feitos agora e com bastante terapia, já começa a conseguir fazê-lo melhor. Já entende o bem que lhe faz pedir auxílio nalguma situação, desabafar que algo não está bem para ele, etc. Contudo, muitas vezes ainda somos nós pais que o conhecemos muito bem, que temos de fazer as perguntas certas para que consiga expressar se não está bem num determinado sítio ou situação e assim em conjunto arranjarmos solução. O que tentamos sempre e cada vez mais é que seja ele próprio a regular-se da forma que mais o tranquilize. Em algumas situações em que o seu sistema nervoso central ainda se desregule e às vezes ainda em demasia, já não consegue sequer perceber naquele momento que está dessa forma, intervimos então nós pais para o ajudar. E nesta viagem foi bonito perceber que muitas vezes foi ele próprio a saber regular-se, a procurar o seu conforto e bem-estar, o que indica que se conhece a si mesmo cada vez melhor e percebe as suas necessidades para não entrar em shutdown ou meltdown (explicarei num próximo texto) numa determinada situação. Às vezes o maior problema dá-se quando começa a ficar num estado mais excitatório, mas para quem o vê ele está só muito feliz e a querer divertir-se e aí fica mais difícil de o ajudar. Pois no momento em que intervimos, as pessoas à volta e sei que não é por maldade, comentam coisas do género “deixem-no estar, está só feliz e a divertir-se” ou algo parecido. Aí ele fica com mais dificuldade em fazer o que lhe pedimos porque quer continuar nessa alegria ou brincadeira, aliás, aparente alegria, mas que faz com que depois fique realmente desregulado. E estas situações são difíceis de gerir.
Antes de mais dizer que fomos com alguma antecedência (demasiada não, se não o efeito é contrário, cria ansiedade), explicando ao Daniel como ia ser a viagem. Desde o dia de partida, como íamos para o aeroporto, os horários destes momentos, como iria ser a chegada lá, etc. Explicamos e mostramos no mapa onde é Marrocos e as cidades que íamos visitar, as fotos dessas cidades para se ir familiarizando com o aspeto visual. Falamos sobre os cheiros mais intensos e diferentes de cá, a forma das pessoas vestirem e falarem outro idioma. Tudo foi falado com tempo, uma informação de cada vez e num tom de conversa tranquila e natural. Colocou as suas questões e curiosidades normais. Importante referir que lhe dizemos sempre que podem acontecer imprevistos, o voo atrasar, poder chover e não conseguirmos ver tudo como queríamos ou outra situação que nós não controlemos. É importante que entenda que mesmo com as coisas planeadas e organizadas, é natural existirem contratempos e mudanças de última hora.
Bom, mas em Marrocos e pelas 3 cidades que andamos foi sabendo ultrapassar relativamente bem as questões que surgiram, quer os imprevistos quer o que já tínhamos explicado. O local em que o sentimos a precisar mais de se recolher e descansar foi em Marraquexe. Para quem conhece entenderá facilmente, para quem não conhece é uma loucura o trânsito, o barulho constante e de coisas diferentes todas a acontecer ao mesmo tempo. Andar a pé nas ruas como fizemos nos dias que lá estivemos, mesmo para nós adultos e neurotípticos é desafiador. Motas a passar encostadas a nós a todo o momento, carroças com burros, pequenas máquinas de obras, vendedores porta sim/porta sim, cheiros das mais variadas fragâncias e especiarias, rezas em alto e bom som das mesquitas 5 vezes por dia… Enfim uma mescla de sons, cheiros e visualmente tão diferente nas cores dos edifícios e cores fortes de tecidos, em tudo. Bombardeados constantemente com informação e tão diferente daquilo a que nós europeus, de locais tão diferentes estamos habituados. Esta é a beleza das viagens, mas o desafio também. Então o Daniel andava sempre de abafadores na rua, só tirava quando entravamos em museus, restaurantes ou Riad, com muito menos barulho. Era sempre ele que pedia para se sentir mais tranquilo. Colocava os óculos de sol, estavam 36 graus e ajudava também a estar num ambiente mais seu e tranquilo. Sempre de mão dada, o que às vezes não quer, mas em Marraquexe ele próprio pedia. Numa ou noutra situação como na praça principal usamos até uma pulseira com correia de segurança ligado a um de nós, para estarmos mais seguros e mesmo o Daniel em algumas situações pedia para a usar.
Andou 9 a 10km´s por dia a pé como nós adultos, o que naturalmente o deixava cansado e poderia ficar até irritado por isso mesmo, mas esteve sempre muito bem. Tínhamos o cuidado de ir fazendo paragens, beber muita água e comer fruta fresca e frutos secos para energia. Às vezes à tarde no pico de calor íamos até à Riad para descansarmos um pouco e tomar banho na piscina e saíamos ao fim da tarde outra vez.
Essaouira uma cidade costeira pequena e muito tranquila, foi melhor para todos descansarmos da agitada Marraquexe, passeamos mais tranquilos com mais calma. Uma cidade com muita arte para ver, com galerias mesmo e lojas cheias de bom gosto, apetecia comprar tudo e montar uma nova casa he he he. Depois fomos até Agadir, uma grande cidade, onde visitamos o centro e um ou outro monumento, mas ficamos mais pelo hotel com piscina, ver os espetáculos e aproveitar o Kids klub. Percebemos que é o Algarve de Marrocos e muito europeu a vários níveis. Nota-se que recebem muitos estrangeiros de cá por ser destino de praia e provavelmente se adaptaram um pouco mais por isso.
Voltamos para Marraquexe e a sua loucura, fomos até ao deserto, andamos a camelo e vimos um espetáculo à noite, servidos de maravilhosa comida tradicional. O Daniel estava ansioso com o passeio de camelo e no momento de subir começou a rejeitar, mas nem teve hipótese porque o guia não estava a entender e pegou nele, colocou-o no camelo onde já estava o meu marido e o camelo subiu rapidamente. Correu bem apesar desse pequeno momento porque depois disfrutou bastante e achou muito giro. Estava nesse momento o pôr do sol a começar e acabamos de ver já sentados nas nossas mesas ao ar livre. Foi lindo, lindo. Teria muito mais para contar desta viagem e se tiverem questões a colocar aqui ou no Instagram estejam à vontade, reponderei com gosto. Só posso dizer que adoramos esta experiência e venham de lá mais viagens e desafios, que a vida é para se aproveitar e tudo se resolve.