Invalidar o Diagnóstico

Invalidar o diagnóstico é das coisas mais terríveis que um autista ou os seus pais podem sentir! Como expliquei no texto sobre a reação ao diagnóstico e que mais teria até para dizer, é um processo muito difícil. Temos de o aceitar numa primeira fase, depois tentar compreender, temos de digerir tudo o que ouvimos dos médicos, temos de adaptar à nova realidade de consultas, terapias, trabalho a fazer em casa, perceber as dificuldades que vão aparecer e como lidar, etc, etc.  Fazemos o possível para termos informação necessária e adequada para passar ao resto da família e amigos a quem queremos contar e sabemos que é importante para ajudar o D. no seu desenvolvimento e de repente ouvirmos frases de invalidação ou dúvida, é um murro no estômago.  “Têm a certeza que é autismo? Não parece nada.” “Os autistas que conheço são diferentes, o D. não deve ser, se calhar enganaram-se.” “Já pediram outra opinião a outro médico? Não me parece que esse diagnóstico esteja certo.” “É autista? Ah que engraçado nunca diria porque é sociável e fala bem!” “Olhe que tenho um familiar autista e é mesmo autista, tem muitas dificuldades, nem fala nem nada. O D. nem parece, é realmente muito mexido, mas nem parece…” “Ah é mesmo autista? Não tem cara de ser.” (o autismo tem cara?!?) “É autista, mas muito leve de certeza porque não se nota nada”. (como se viesse escrito na testa, ou tivesse de parecer um alien, sei lá).

Eu sei que muitas pessoas não dizem por mal, ou prefiro pensar assim, contudo já é um processo exigente este e vir alguém desvalorizar porque “não tem cara de..” é desanimador e gera desconforto. O Autismo é uma condição invisível e por isso as pessoas têm dificuldade em perceber. Confundem muitas vezes com deficiência intelectual ou outra coisa e por isso acham que tem de ser algo notório aos nossos olhos. Alguém de cadeira de rodas, ou óculos, ou um braço partido, tem algo visível e as pessoas compreendem melhor que aquela pessoa precisa de suporte, ou de uma rampa de acesso ou se for cego precisa de livros em braile. Mas uma questão invisível é difícil para a maioria entender. E em vez de ouvirem, tentarem aprender ou compreender, vem sempre este julgamento rápido ou até invalidação.

Acima de tudo as pessoas devem pelo menos respeitar mesmo que não queiram aprofundar o assunto. Se além de respeitar quiserem perceber um pouco mais para ajudar e passarem à inclusão podem então mostrar interesse em informarem-se sobre o assunto e colocarem questões importantes e pertinentes. Se a pessoa achar que “não parece” quanto muito, de forma educada pode colocar as suas dúvidas de forma respeitosa pois nós não nos importamos, pelo contrário. Entendemos que existe muita desinformação e cá estamos para ajudar a desmistificar ideias e esclarecer tudo o que é necessário. Desde que o interesse seja genuíno e sem maldade. Do fundo do coração que compreendo também que nem toda a gente percebe deste assunto e pode ficar um pouco perdido, mas quando não sabemos algo, devemos ter calma, ouvir o que nos estão a dizer e depois sim questionar o que for necessário, procurar respostas. Não é duvidar do que a pessoa lhe está a dizer. Até porque no seu perfeito juízo, quem é que inventaria uma coisa destas?! Principalmente quem é próximo de nós, achar mesmo que não procuramos os melhores e uma equipa que sabe o que faz, custa muito.

Depois ainda existem os que acham que sabem tudo sobre o assunto porque viram um filme ou série que tinha um autista e aplicam o que viram a todos. E se viram um autista não verbal, que não gosta de contacto social, com muitas estereotipias por exemplo, acham que todos são assim. Ou por outro lado se viram noutro filme ou ouviram falar de um autista muito inteligente e que teve sucesso numa área qualquer, acham que todos os autistas de nível 1 por exemplo, são génios. Então ouço muito “é autista, mas é muito inteligente”. Como se o “mas” e mesmo que fosse verdade, apague todas as questões de suporte que os autistas precisam.

Acho que a palavra “Espectro” não é ouvida e entendida pela maioria e que significa que nenhum autista é igual a outro, apesar de alguns terem pontos comuns. E nível de suporte 1, 2 ou 3 significa que TODOS precisam de suporte, claro que pelos níveis, uns mais que outros, mas todos precisam. De terapias, de compreensão, de apoio, de adaptações aos ambientes, escola, festas ou outros.

Como li uma vez, é um diagnóstico e não uma sentença, contudo tem os seus desafios e questões a serem trabalhadas, ultrapassadas e conquistadas diariamente.

Ter uma criança com autismo nem sempre é fácil e às vezes nós pais podemos não tomar a melhor das decisões, mas o que realmente precisamos é do apoio da família e que acima de tudo, respeitem as nossas escolhas. Se pensarmos que a família é um sistema e que a criança está no seu centro, com ligações aos diferentes membros da mesma, percebemos que o seu diagnóstico e os seus desafios tocam a todos os membros que com ele lidam e interagem. Nós realmente podemos e devemos partilhar o que aprendemos com a família e amigos próximos, até porque assim todos têm a mesma abordagem e trabalham no mesmo sentido. É muito mais fácil para a criança ultrapassar os seus desafios e os pais sentirem-se respeitados e apoiados.

Posso dar como conselho aos familiares, reservarem um tempo especial para estar com a criança. Nem que seja uns minutos, mas o facto de haver esta consistência torna as coisas mais fáceis e ajuda a criar uma relação. Numa fase inicial podes não ter resposta da criança, mas se passares este tempo com ela a observar, a respeitar os seus limites, ver o que gosta, o que lhe cativa a atenção, poderá ajudar a construir esta relação. Se estás com dificuldade pergunta aos pais como podes fazer ou que dicas te podem dar, vais ver que este pedido de ajuda vai deixá-los muito feliz. O facto de mostrares interesse, pode significar o mundo para eles. 

A família é como uma equipa e se centrarmos as nossas forças para nos unirmos e agirmos em conjunto todos beneficiam, porque assim somos mais fortes e mais capazes! Acima de tudo, recebe ajuda e apoio quem mais precisa.

Por último dizer que a sensação de solidão, inadequação e de não pertença é muitas vezes sentida pelos autistas quando sabem do seu diagnóstico, inclusive autistas adultos. Obviamente também os seus pais por conta de julgamento e das pessoas próximas que se afastam ou fingem que nada se passa. E um dos perigos destas situações de invalidação e sem capacidade de inclusão, é que os autistas passam a além de se afastarem também eles mesmos e viverem na solidão muitas vezes (não implica que estejam no meio de muita gente), é mascararem os seus comportamentos o que provoca danos psicológicos muito grandes.

Sejamos mais respeitadores e empáticos por favor!

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