Quando recebemos a confirmação do diagnóstico do Daniel, naquela tarde sei que as emoções foram muitas, ao mesmo tempo e que algumas foram sentidas de forma diferente por mim e pelo meu marido. Nem todos reagimos da mesma forma. E ainda bem, pois por vezes não sermos iguais ajuda para nos equilibrarmos. Nenhum de nós reagiu mal ou de forma negativa, até porque já se desconfiava do diagnóstico, só estávamos à espera da confirmação. Acho é que demoramos tempos diferentes a aceitar, a absorver tudo o que estava a acontecer, embora muitas das nossas dúvidas ou questões fossem similares.
Havia claro uma esperança que o resultado da avaliação nos dissesse que o Daniel não estava no espectro do autismo (pea) e/ou perturbação da hiperatividade e défice de atenção (phda) ou outra questão neurodivergente qualquer. Nenhum pai ou mãe quer ouvir isso, principalmente quando não conhecíamos (que saibamos) de perto alguém com esse diagnóstico e não tínhamos grande conhecimento de causa sobre o assunto. E tudo o que nos é apresentado como condição atípica de um filho, é assustador principalmente se não dominamos o tema.
Claro que logo naquela primeira consulta com a TO (terapeuta ocupacional) fui alertada para a possível questão do autismo, por isso comecei logo no Google a pesquisar. Queria estar preparada o melhor possível caso o desfecho fosse positivo para essa situação. Queria saber mais sobre crianças autistas, sobre como são em adultos, se existiam evoluções, se podem ser independentes…queria saber mais até para poder colocar as questões importantes às médicas e terapeutas que o começaram a acompanhar. Ninguém tem dúvidas pertinentes se não estudar minimamente sobre um assunto. Já o meu marido acho que por pensar que eu estava a ser demasiado zelosa, ou preocupada, a pôr o “carro à frente dos bois” em bom português, não pesquisou sobre o assunto, limitava-se a ouvir o que eu transmitia, aligeirando sempre. Não digo que estivesse em negação, mas talvez estava ele próprio com receio do desconhecido, de algo que jamais a ele lhe tinha passado pela cabeça e também me quisesse de certa forma tranquilizar.
Por mais que a equipa multidisciplinar e a psicóloga que avaliou o Daniel nos fossem dizendo que se no final se comprovasse que estava dentro do espectro, para termos calma pois o Daniel é uma criança verbal, relativamente bem funcional e que com o acompanhamento correto tudo iria correr bem, foi muito assustador! Foi preocupante e tirou-me o sono e sossego muitas noites e dias. Ainda hoje acontece com frequência dependendo dos avanços e retrocessos que vemos. Muitas dúvidas surgem, principalmente ao perceber que normalmente depois de um diagnóstico de autismo ou até ao mesmo tempo, se percebem outras comorbidades ou elas podem surgir com os anos a passar. Custa ler que os autistas passam por dificuldades na sociedade em geral, na escola e empregos no particular, com amizades e até no seio das famílias. Todos queremos facilitar a vida dos nossos filhos ou torná-la uma viajem feliz e serena. Por isso perceber que teria algumas dificuldades para ultrapassar, mais do que já é o normal, dói muito. E a impotência de não entender muito sobre o assunto, é uma situação dura. Contudo fomos tentando relativizar e percebendo que realmente estava nas nossas mãos uma situação que não era de perigo de vida nem nada que o pareça e que acompanhados de uma equipa competente e estudando sobre o assunto, estaríamos capazes de o ajudar.
Confesso que no dia do diagnóstico de PEA eu já tinha algumas questões acho que mais assertivas e direcionadas sobre o assunto e o meu marido um pouco mais a tentar aceitar e a absorver com calma a situação. Contudo apesar de já estar a contar com o diagnóstico as semanas seguintes, se calhar os 3 meses a seguir, foi de processar o que estava a acontecer, entender as terapias que precisava e para o que serve cada uma e sempre a perguntar o que nós devemos fazer em casa e estudar sobre o assunto. Recebíamos muita informação, ao mesmo tempo que tentávamos processar tudo e que decidíamos como contar à família e amigos próximos. Acho que o processo foi mais ou menos idêntico para mim e para o meu marido, mas em tempos diferentes. Eu particularmente senti que (por mais que estas palavras possam parecer fortes a quem não passa por estas situações) morreu com o diagnóstico uma família e nascemos outra. Nascemos uma família atípica, com desafios, com situações muito intensas e que tínhamos de perceber que agora somos esta família para o resto da vida. Percebi também depois desse nosso renascer e que foi o que ajudou a ter forças para tudo e ajuda sempre em qualquer situação da nossa vida em que apareçam questões mais difíceis, que o que nos salva e ajuda é o Amor, a União, a Perseverança e o Respeito.
Não sei se por ser mãe, mulher ou mais sensível, verbalizava mais os medos, as angústias que ia e vou sempre partilhando com o meu marido. Também sou eu (questão de horários de trabalho e decisão em casal) que acompanho o Daniel nas terapias. Falo com as terapeutas e psicóloga, por isso lido mais de perto com estas questões e gera em mim mais receios ou questões. O meu marido às consultas de pediatria de desenvolvimento faz sempre questão de ir ou se necessário reunimos com a equipa multidisciplinar presencialmente ou ele até por zoom, como já aconteceu. Vamos juntos reunir com equipa EMAEI da escola e com a professora do 1.º ano.
Aceitar o diagnóstico foi um processo, mas agora estamos noutra fase, em que temos na mesma desafios e muitos não só com o Daniel mas muitas vezes com quem está à volta, seja família, amigos, sociedade em geral. E quem não tem desafios na vida?! Todos temos é certo. O que aprendi é que a forma como os encaramos faz toda a diferença, sem dúvida.
A atitude com que partimos para as situações e lidamos com as questões é realmente preponderante, mas nós não vivemos isolados e quando os outros não respeitam, não querem entender ou invalidam até esta questão em particular, torna as coisas um pouco mais difíceis. Porque tapar o sol com a peneira ou fingir que não é uma situação que tem de se aprender a lidar, quando são pessoas próximas, que fazem parte do seu dia-a-dia, da sua rotina, em nada ajudam o D. em primeiro lugar, nem nós pais nas nossas questões familiares. Tema que provavelmente irei escrever depois.
Em relação a outros pais e como reagem à descoberta do diagnóstico, daquilo que ouço, leio em blogs, páginas de instagram, é que normalmente a mãe e muito provavelmente por passar mais tempo com a criança, percebe alguma questão mais cedo. Por toma a decisão de procurar respostas em consulta de pediatria, neurologia ou outra. Quer descobrir o que se passa com o filho ou filha, sendo que mesmo assim pode não reagir com aceitação a um diagnóstico, ou não numa primeira fase. Já o pai por norma, dependendo da questão que se apresenta naquela criança, demora mais tempo a aceitar ou a lidar com a situação. Leio até muitos relatos de mães que dizem que depois de um diagnóstico o pai desapareceu. Há os que se divorciam e fazem o mínimo, chegam até a dizer que a mãe está a exagerar, que são coisas da cabeça dela, portanto tentam até invalidar aquilo que os médicos já confirmaram. Há os que desaparecem por completo porque não querem simplesmente lidar com a situação. Não sei se é por medo de não saber lidar ou se estão só em negação. Sei que nenhum pai ou mãe deve negar as necessidades de um filho, por mais difícil que seja. Negar só vai piorar a situação da criança, pois não lhe vão dar as ferramentas necessárias para sua evolução.
Claro que cada pessoa reage de forma diferente a estas situações, mas abandonar nunca deveria acontecer!