Durante estes 6 anos e meio de vida do D. vimos várias fazes a nível de comportamento, desenvolvimentos, às vezes retrocessos, fases mais difíceis do que outras. Desafios normais do ser criança e ter as suas fases de desenvolvimento como qualquer criança típica, mas com o acréscimo dos desafios que são inerentes ao espectro do autismo e à PHDA (perturbação de hiperatividade e défice de atenção).
Algumas questões já referi no post anterior “Do diagnóstico até hoje: Terapias e Evoluções”, outras deixei para falar aqui hoje com mais profundidade porque sinto ser importante. Sei que muitas famílias se irão identificar com o nosso exemplo.
Existem 2 ou 3 questões com o nosso filho que ainda estão a ser trabalhadas e, quero acreditar, melhoradas aos poucos. Problemas na comunicação, dificuldades de socialização, alterações de comportamento. Comunicar não é só falar, até porque autista nível 1 de suporte como o D., são pessoas verbais, falam. A questão é a forma como comunicam e como entendem e processam a comunicação. Dificuldades na socialização, não tem só a ver com quem se isola e não quer interação, pois no nosso caso o nosso filho adora estar com pessoas e brincar com outras crianças, mas a maneira como o fazem, a forma de brincar ou interagir é que pode ser diferente pois processam essas situações de forma diferente. O que leva muitas vezes que não entendam o jogo ou atividade que as outras crianças querem fazer ou que os próprios queiram brincar de uma forma que as outras crianças não compreendem. Quanto às alterações de comportamento, são essas que falo aqui hoje.
Às vezes bate um desespero e vem ao pensamento o medo de que nunca supere algumas questões, algumas dificuldades. Acima de tudo porque muitas vezes queremos ver evoluções rapidamente, para nos acalmar a mente e acima de tudo o coração. Porque só assim sabemos que estamos a fazer tudo bem e percebemos que essas competências estão a ser adquiridas. Mas tudo tem o seu tempo, cada criança é diferente da outra e os resultados chegam se o trabalho for consistente. Com os estímulos corretos, o D. consegue regular-se melhor, não tem de mascarar sentimentos e, acima de tudo, compreende melhor as pessoas e os seus comportamentos. Assim ele próprio responde melhor às situações do dia a dia.
Então, na prática, o que estou a referir são essencialmente as situações de caráter social. Festas, jantares e almoços de família ou amigos, idas a parques com várias pessoas no espaço, tudo o que sai da rotina e do seu quotidiano. O que já conhece e está controlado: ir à escola, equitação, natação, envolve pessoas e sítios que conhece bem e por serem normais, não costuma haver desregulação emocional, sensorial e por isso comportamental. A não ser que esteja num dia mais aborrecido, ou sensível.
Antes desses eventos, temos sempre de explicar ao nosso filho os moldes em que vai acontecer (previsibilidade). Onde vai ser, quantas pessoas vão, porquê do acontecimento, se vai ter muito barulho ou luzes fortes, se vai ter crianças ou só adultos, a que horas vamos e quando vimos embora, etc. A previsibilidade é como um farol que o guia num mundo que pode parecer confuso. A rotina e a estrutura desempenham um papel fundamental. Portanto enquadrar toda a situação, ajuda sempre a que não fique tão ansioso, pois se tudo for fora do seu controlo irá mais rapidamente ficar nervoso, com receio de situações que não pode controlar. E tentamos ser os primeiros ou dos primeiros a chegar, principalmente se for um sítio novo, para que o explore com calma e ainda sem grande barulho e intervenção de outras pessoas. Fica já ambientado ao espaço e conforme as pessoas vão chegando, é mais fácil de se adaptar, do que chegarmos a um local já cheio de gente, confusão, barulhos em que não se saiba posicionar tão bem. Tudo o que é fora do contexto diário, quantas mais pessoas, mais barulho, mais estímulo visual e auditivo, mais contacto interpessoal, então mais comportamentos excitatórios acontecem levando a uma desregulação.
Se formos a casa de outras pessoas, principalmente se for uma festa, fica rapidamente num nível de super estímulo. Começa a falar muito alto, pode até gritar pela excitação, mas sempre num tom de alegria e felicidade. Aperta demasiado as pessoas a dar abraços e beijos, corre sem noção de perigo absolutamente nenhum, fazendo com que possa ir contra coisas ou pessoas, pois o seu foco até é outro qualquer. E uma das nossas maiores questões com isto é que quem está a ver pensa que o D. está “só” muito feliz por ser um evento e não entende as nossas intervenções. Momentos esses, que foram previamente falados com as terapeutas porque são situações comuns de acontecerem e como tal, são-nos dadas ferramentas, pelas terapeutas e psicóloga, para não deixar escalar demasiado o comportamento que o possa pôr até em perigo. Além de poder ficar numa situação dessas, acima de tudo fica desorganizado emocionalmente, mentalmente e por isso as suas atitudes começam a ser cada vez mais imprevisíveis. Nós pais estamos sempre em alerta e intervimos só quando necessário pois a ideia é que cada vez mais se saiba regular sozinho, o que já faz muitas vezes, pedindo até ajuda para tal. Pode ser apertar uma almofada, um peluche ou as nossas mãos se não tiver nada perto, ou fechar os olhos e imaginar uma flor que vai cheirar calmamente (inspirar) e uma vela que vai soprar só para abanar a sua chama (expirar). O importante aqui é evitar que chegue ao que chamamos a nível de Lebre. Até porque o cérebro fica tão excitado que é muito cansativo para ele, fica derreado a esse nível e a nível emocional e físico. A energia gasta para se regular e compreender tudo à volta é muita.
Diz-nos muitas vezes que a cabeça está a ser muito rápida, a pensar demasiado e não consegue controlar. Em tempos, chegou a ser agressivo connosco nessas situações, quando não conseguia controlar o que sentia e estava já demasiado excitado. Nós pais, já percebendo que era demasiada emoção, para se acalmar, temos de o levar para um cómodo ou espaço à parte, de forma a não ter os estímulos visuais e auditivos que estão exatamente a deixá-lo naquele estado e temos as tais estratégias que pomos em prática. Pode é já nem as aceitar devido ao estado que já chegou. Nem sempre resulta, ou demora tempo, porque baixar esses níveis e regular-se não é de um segundo para o outro e por isso às vezes entrava em crise e chegou a bater-nos e a morder com todo o stress e descontrolo. Situações que já não acontecem há muito tempo devido ao trabalho feito com a TO, psicóloga e às estratégias que vamos implementando e que têm, na sua maioria, funcionado e acho que também o facto de estar a crescer, agora um pouco mais maduro, também ajuda.
Esta sobrecarga sensorial acontece quando um estímulo intenso afeta a capacidade de enfrentar estas questões. Isso pode ser desencadeado por um único evento, como um ruído alto inesperado, ou pode aumentar com o tempo devido ao esforço necessário para lidar com as sensibilidades sensoriais na vida diária, neste caso, nos eventos. A sobrecarga pode levar a uma ansiedade intensa, necessidade de escapar da situação ou dificuldade de comunicação pois realmente, quando o cérebro tem que colocar todos os seus recursos no processamento sensorial, ele pode desligar outras funções como fala, tomada de decisão e processamento de informações.
Por isto é que normalmente não ficamos tantas horas como gostaríamos nas festas de aniversário ou outros eventos de família ou amigos. Contudo depende do número de pessoas, dos locais, dos barulhos, luzes, número de crianças, pessoas que o excitem demasiado que não fazem por mal, mas que em nada ajuda num ambiente que já é propício a exageros e até como ele próprio se sente naquele dia.
Como disse, com as terapias está cada vez melhor a todos os níveis, mas demora ainda tempo a regular-se. Se dantes demorava quase uma semana a voltar a regular-se, hoje em dia pode demorar até 2 dias. Durante os eventos, já consegue estar mais tranquilo por bastante mais tempo, já obedece muitas vezes à primeira quando pedimos para vir embora, ou ao wc. Começa, portanto, a conseguir regular-se sozinho mais vezes e por um período de tempo mais longo. Às vezes parece que regride, mas, com consistência, vamos conseguindo ver progresso e evolução.