Texto escrito a 2 de outubro de 2023, sentada no comboio a caminho de Valença. Daí partiria a pé, sozinha, para ser peregrina por uns dias e fazer o Caminho até Santiago de Compostela. Não levei ninguém comigo (só no coração), mas encontrei muita gente no caminho e que muito me ensinaram. Falarei sobre isso noutro texto possivelmente.
Metade de mim chora, a outra sente um nervosinho. Aquele que sentimos no primeiro dia de aulas, mas com mistura de entusiasmo pois afinal trata-se de uma aventura, de uma viagem, de um caminho.
Metade de mim tem medo e queria ficar, a outra está em pulgas para partir e ver como será. Está em pulgas para voltar a sentir o novo, o desconhecido, a descoberta desse desconhecido…Metade de mim quer voltar a encontrar-se com novas pessoas, cidades nunca antes visitadas, caminhos nunca percorridos. Mas a outra metade de mim vai em angústia pelo filho que ficou e teimo em sentir-me culpada, talvez má mãe (só mostra o quanto preciso de ir e trabalhar isto da culpa que não faz sentido). Já a outra metade sabe que precisamente por isso e mais do que nunca, precisa desta experiência para sentir equilíbrio.
Todas as minhas partes ou metades de mim, entendem que preciso muito deste momento e que com certeza me vai fazer bem, só pode. Autocuidado é preciso, devia ser obrigatório. Sei que vou aprender, entender, curar, silenciar, escutar e receber o que realmente preciso nesta fase da vida.
Que a metade de mim que me trouxe até aqui, que me pôs esta mochila às costas e me deu coragem de deixar a casa, o filho e marido por uns dias, saiba absorver e receber tudo o que vai vivenciar, até para acalmar a metade que chora. Que eu consiga o equilíbrio que tanto procuro na vida.
Metade de mim ficou, para a minha outra metade poder vir fazer o que precisa e voltar inteira, reconstruída, com todas as metades mais fortes, mais equilibradas, mais entendidas no seu propósito de vida.
Todos temos um ou alguns propósitos de vida, mas quantas vezes nos nossos outros “eus” nos perdemos ou não dedicamos tanto e deixamos de saber qual é. Perdemos o centro, o nosso centro e razão de ser. Já não sabemos bem quem somos, para onde vamos ou simplesmente porque estamos a ir naquele caminho. Quantas vezes passamos a ser “só” mãe/pai, só trabalhadores (muitas vezes em funções onde até somos infelizes e sentimos não ser o nosso caminho), somos conjugue, filhos, amigos… Somos tantos, mas não somos o EU! E eu vim para voltar a ser eu, vim conversar com essa minha parte e encontrar o meu propósito de vida, ou o início do caminho para tal.
Só no silêncio é que realmente me escuto e me encontro. É um processo que envolve muitas vezes dor, angustias, dúvidas, reviver traumas, mas sem isso não avançamos, não nos encontramos verdadeiramente. Sem isso não damos nome ao que sentimos e a tudo que vem ao de cima durante o processo.
Metade de mim chora com saudades de quem amo, mas a outra metade sabe bem o que está a fazer para voltar mais feliz, forte e centrada.
E quando o “EU” estou equilibrada e bem, tudo à volta flui melhor e os meus sentem-no perfeitamente. Serei bem melhor para mim ao cuidar-me e com certeza que para os outros também.
Obrigada por teres vindo, obrigada metade de mim que ainda choras, mas vais!