Nos últimos textos falei dos cuidados dos pais, nomeadamente pais atípicos, no sentido de praticarem o autocuidado e de trabalharem a sua autoestima, abordei também como é que eu o faço e tento aplicar na minha vida. Mas, entretanto, ao observar com bastante consciência o meu dia-a-dia e ao analisar bem a pesquisa que faço sempre que escrevo, lendo neste caso relatos de mães atípicas e psicólogas que acompanham essas mães, essas famílias, surgiu aqui outra questão pertinente. É que muitas vezes para as mães, este autocuidado é só mais uma tarefa, uma obrigação que têm de fazer nos seus dias já tão preenchidos. E então por vezes torna-se ainda mais stressante essa tentativa de se cuidarem, porque efetivamente não têm tempo nas suas rotinas tão preenchidas o que as faz ficarem ainda mais frustradas. E isto dá-se porque na maioria das vezes não têm rede de apoio. Não têm, portanto, quem tome conta dos seus filhos, para elas terem efetivamente tempo e espaço tranquilo para se cuidarem. Ninguém cuida delas!
Também acontece porque muitas vezes o que mais querem fazer, ainda antes desse autocuidado, é poderem simplesmente terminar as tarefas que querem e precisam, pois, só isso já as faz felizes, concretizadas e sentem-se mais calmas e satisfeitas. Quem é que não adora a sensação maravilhosa de ter terminado tudo o que tem de fazer, seja trabalho, casa, afazeres extras que aparecem repentinamente?
Um terceiro ponto importante, além do autocuidado que obviamente é fulcral, além de queremos simplesmente conseguir terminar todos os nossos compromissos, surge a questão: E quem cuida destas mulheres? Quem dá efetivamente, apoio, ouve, ajuda, fá-las sentirem-se amadas, compreendidas e respeitadas? Porque toda a gente seja de que classe social for ou estatuto profissional ou financeiro, gosta de se sentir incluído, entendido, com a sensação de pertença e valorizado. Todos nós de alguma forma procuramos isto.
Portanto parece-me que estes 3 pontos são fundamentais: Conseguir cuidar e terminar as tarefas necessárias, ter rede de apoio verdadeira e grupo onde nos sentimos compreendidas e aceites como somos e sim o autocuidado e tempo para o fazer.
Falo muito no feminino pois sabemos que apesar de já existirem homens cuidadores das suas famílias, normalmente esse papel tem cabido mais às mulheres. É a mulher que escolhe ser a cuidadora, ou a escolha está feita por elas quando os salários continuam a ser mais baixos para nós e, portanto, deixamos nós a carreira de lado. Ou mesmo a ter trabalho tentamos encaixar tudo. Pode ser também uma opção, uma escolha tranquila que a mulher fez de plena consciência. Seja como for, normalmente são as mães mais neste papel, eu também o faço mais e no meu dia-a-dia é efetivamente o que vejo por exemplo nas consultas e terapias, são quase sempre só as mães a acompanhar.
Então o que entretanto percebi é que realmente se a mãe não tiver rede de apoio, com quem deixar os filhos, como se pode cuidar? Fica muito difícil. Claro que mesmo com crianças em casa podemos tentar fazer pequenas coisas na rotina em que nos cuidemos. Fazer um skincare com tranquilidade depois das crianças estarem a dormir, ler, escrever ou dançar uma música que se gosta, também nesse horário, ou se possível levantar um pouco mais cedo e com a casa em silêncio, meditar, tomar um banho mais tranquilo, fazer algum exercício físico. Contudo, mesmo que se façam estas pequenas coisas que já são importantes e nos ajudam a estar equilibrados e mais serenos, se tivermos sempre com os filhos, não conseguimos desligar completamente. Principalmente crianças com questões da neurodivergência que exigem tanto da nossa atenção e disponibilidade.
É bom que o pai perceba isso e dê à mãe, nem que seja ao fim de semana, espaço e tempo para sozinha se cuidar. Ir fazer uma caminhada na natureza ou à beira mar, ir a uma massagem ou spa, tomar um café ou almoço com as amigas, sem pressão de horas e obrigações. É importante o apoio dos avós, se for possível geográfica e fisicamente, dos tios, primos ou até amigos, que oferecem apoio emocional e prático, como cuidar da criança por um tempo para que os pais possam descansar. Nem que seja uma manhã, um almoço, um jantar ou até uma noite, para que os pais possam retemperar forças e estarem por umas horas focados um pouco noutros temas, neles próprios e no cuidar do casal que é tão importante, mas que nestas situações muitas vezes fica esquecido.
Contudo nas minhas pesquisas encontrei Suniya Luthar, estudiosa da resiliência emocional, que diz que o autocuidado, por mais benéfico que seja, virou uma ‘tarefa adicional’ para mulheres e desconsidera uma necessidade básica humana: a de sermos cuidados pelos demais e amados incondicionalmente. Para a pesquisadora o que as mães precisam mesmo é serem cuidadas por outras pessoas, mais do que apenas tirar momentos para cuidarem de si mesmas, argumenta.
O segundo problema, afirma a académica, é que o autocuidado, por mais relevante que seja, não leva em conta uma necessidade do ser humano: o apoio emocional e incondicional de outros seres humanos.
“As mães não só não estão a receber amor e apoio de que precisam, como já não têm expectativa de recebê-lo, o que talvez seja o maior problema. Aceitamos essa narrativa de que nós (mães) temos de fazer tudo e ficar para último na lista. Na melhor das hipóteses, vais dizer ‘mereço uma noite com as amigas, uma pedicure, um dia de descanso’, mas é raro que uma mãe diga: ‘tenho que garantir que alguém vai cuidar de mim e fazer disso uma prioridade’. (..) É um nutriente para sua alma e espírito e não é algo que faças por ti mesma, é algo que alguém precisa fazer por ti. Nós temos que reconhecer que precisamos dessa ajuda”, afirma Luthar.
Para cuidarmos das crianças, é preciso cuidar dos seus pais. Essa rede de apoio emocional dada a mães – ou a qualquer cuidador primário – traduz-se em crianças também mais emocionalmente saudáveis e resilientes. Se queremos que uma criança fique bem, temos que garantir que o seu cuidador primário esteja bem também. E para isso acontecer, é preciso garantir que o cuidador primário vai ter o mesmo amor e apoio que quer dar aos seus filhos. É impossível pedir a uma mãe que seja carinhosa, amorosa, paciente, tranquila, que dê aos filhos toda a qualidade possível de cuidados, se ela própria se sente um caco. Volto ao mesmo, para estarmos bem para os outros e entregarmos o nosso melhor, temos de estar bem connosco, sentindo-nos amadas, apoiadas, ouvidas, respeitadas, incluídas e darem-nos espaço e tempo quando precisamos e como precisamos.
Por isso cuidemo-nos sozinhas, mas deixemo-nos cuidar procurando nas pessoas certas o que precisamos receber. Não é vergonha pedir ajuda e que nos tratem como precisamos.