Mulher Polvo

Nos dias de hoje, na sociedade atual, quase todas nos sentimos mulheres polvo. Exigem-nos estar em muitas frentes (todas quase sempre) ou se calhar já somos nós a cobrarmo-nos porque assim nos convenceram de que tem de ser. Mas é impossível manter o ritmo alucinante em que vivemos, sem haver danos físicos, psíquicos, familiares, laborais e/ou outros.

Afinal porque acham que é possível cumprir tantas tarefas ao mesmo tempo e ser exemplares em todas? Porque é que nos colocamos nessa pressão e nessa loucura? Claro que em primeiro lugar vem da crença que ainda hoje se mantém, apesar de não ter qualquer comprovação científica real, de que homens só conseguem fazer uma coisa de cada vez, diferente das mulheres que são naturalmente multitarefas. O que algumas mulheres conseguem fazer e não são todas é o chamado de switch atencional, que significa que conseguem mudar de tarefa ou mudam o foco com rapidez, mas isto não é regra. O que me parece é que como se continua a passar a ideia de que as mulheres são multitasking, treinam-nos para isso, fazendo-nos acreditar que isso é normal e põem-nos essa pressão desde tenra idade. Portanto se a ideia de que as mulheres são naturalmente capazes de realizar multitarefas é um mito, porque seguimos a acreditar nisso e perpetuamos este estereótipo? Porque ainda se considera natural que as mulheres vivam as suas vidas equilibrando vários “pratinhos” ao mesmo tempo? Acho que culturalmente se continua a avançar com esta ideia por conveniência. O problema é que esta perspetiva acaba por gerar cobranças cada vez maiores sobre as mulheres que ainda hoje se questionam a respeito do que devem fazer para dar conta de tudo que precisam. Ainda por cima numa sociedade com expectativas cada vez maiores, ser mulher fica mais difícil a cada dia. Gera-se há muito o mito da perfeição sobre as mulheres, que só as coloca numa atmosfera de stress, angustia, desespero, dúvidas e medos, porque sentimos que não estamos a conseguir desempenhar bem esse papel.

Parece-me que nós mulheres andamos cansadas, agastadas, doentes até, porque não dá para servir a todos, com a energia sempre no máximo, a dar o nosso melhor em tantas áreas da vida e no final das contas ainda nos esquecemos de cuidar de nós. Deixamos de perceber que se nós, ser individual, não nos tratarmos bem em primeiro lugar, se não estivermos equilibradas e centradas, nem sequer estaremos bem para exercer outras funções ou estarmos bem para os outros.

Temos de ser mães, esposas, trabalhadoras, donas de casa, amigas, filhas, irmãs, tias, netas, primas, cuidadoras … Temos de estar fisicamente no nosso melhor com corpos esbeltos, bem maquilhadas, bem vestidas e acima de tudo sempre bem-dispostas e disponíveis. Temos de ser românticas, atenciosas, gentis, bravas, fortes, doces, guerreiras e ajudar tudo e todos. E no final de tudo quem cuida de nós ou nos dá espaço para o fazermos? A sociedade está feita neste sentido. Passamos dum tempo em que as senhoras eram “só” (a camada de nervos que me aparece neste termo) donas de casa, mães a tempo quase integral, organizadoras dos afazeres da família (médicos, organizar festas, ir fazer compras, etc) e que tinham de estar impecáveis para os companheiros (bem aprumadas e disponíveis se é que me faço entender), para esta vida em que a tudo isso acresce trabalho (fora de casa, entenda-se profissão) entre outras tarefas. Somos então mulheres polvo, com aqueles pratos do circo, dos malabaristas a girar todos ao mesmo tempo e a tentar não partir nenhum, porque valha-nos Deus deixarmos alguma coisa cair.

Mid adult mother examining business reports while working at home. Her son is playing on the floor next to her.

Sinto profundamente que por mais que se diga que estamos mais modernos e aceitamos a evolução dos tempos, eu digo, O TANAS! Sim, letras garrafais porque sinto muita injustiça e sinto que nos exigem demasiado. Acho maravilhoso e justo termos acesso enquanto sexo feminino a votar, a conduzir a ter uma profissão se assim o desejarmos. É maravilhoso termos filhos se assim entendermos, a sermos donas de casa, a sermos boas cozinheiras, a gerir toda uma família nas suas atividades e afins, a sermos boas filhas, e amigas e tudo o que for possível. Não acho bem, não acho acima de tudo que seja humanamente possível, sermos tudo ao mesmo tempo e num nível de exigência dos dias de hoje.

Nada tem a ver com machismo ou feminismo, na minha opinião tem só a ver com ESCOLHAS (sim, garrafais para que não passe despercebido). Somos seres livres e cada um deve escolher o que quer fazer da sua vida e em que áreas quer ser bom ou dedicar-se. Cada um e cada uma, homem e mulher. Mas enquanto que se continua a ser permissivo com o homem, trabalhador e super dedicado a essa causa (que muitas vezes nem é o caso) e por isso se diz que já é bom quando AJUDA em casa, ajuda com os filhos, ajuda com alguma coisa e acatamos isso, mas somos mega exigentes com as mulheres que queiram por exemplo dedicar-se à carreira profissional. Pois a mulher que decide ir por esse caminho, TEM de ser na mesma uma excelente dona de casa, portanto cozinhar lindamente, tratar de roupas, mercearia, fazer camas, organizar reuniões familiares e de amigos. Tem de ser maravilhosa em todos os aspetos referidos acima. Como assim?! É impossível! Como é que se trabalha 8h por dia pelo menos 5 dias por semana, muitas vezes com horas de deslocações para o trabalho e ainda se consegue ser exímio em todas as outras áreas da vida? Não somos robots. Apesar de sermos corajosas, fortes, destemidas, empreendedoras, mulheres de garra (porque ainda temos de ser), não conseguimos dar conta de tudo. Algo fica para trás. Não dá tempo para trabalhar tantas horas e cozinhar, tratar da roupa, ajudar os filhos com os trabalhos de casa e atividades extraescola, estarmos disponíveis para família, amigos, associação de pais, sermos românticas, tratar do nosso corpo e mente…pffff até me canso só de escrever. Alguns pratos que o polvo tenta equilibrar vão cair, até porque nós não somos um polvo e não temos de ser! Mais, diria que a maioria das mulheres nem quer ser, mas sente essa pressão. Sentimos que temos de cumprir com todas essas “obrigações” (lá vem a camada de nervos pela expressão ainda imposta pela sociedade) mas não as queremos, ou pelo menos não todas. Há mulheres que não gostam, nem querem cozinhar, passar a ferro, ir às compras. Há mulheres que não querem ter de se ocupar com burocracias ou questões ligadas a marcar médicos, exames, viagens ou outras coisas, para toda a família. Ou por outro lado, espantem-se que há mulheres que põem a família como prioridade e preferem não ter uma profissão a tempo integral, mas sim parcial, para poder dar apoio aos filhos, à casa e gostam disso. Há mulheres que preferem ter projeto próprio, para se poderem organizar então melhor com essas tarefas domésticas e familiares e gostam de viver dessa forma. Nenhuma mulher é melhor ou pior, dependendo das suas escolhas. Cada uma deveria viver como quer e pode. Tal como a maior parte dos homens faz.

Não somos malabaristas, nem temos de ser e o pior é que muitas vezes quem nos julga mais rápido e critica negativamente são outras mulheres, muitas ainda agarradas a esses estereótipos dos quais também elas são vítimas.

Com tudo isto chega a culpa que teimamos em sentir, a frustração de não darmos conta de tudo, a sensação de estar sempre aquém daquilo que é esperado. Estamos a tentar perseguir uma meta impossível e é claro que, ao longo do tempo isso põem-nos em contato com respostas emocionais negativas importantes, que a médio longo prazo podem acarretar em impactos cada vez mais graves para a nossa saúde mental.

Então mulheres, vamos parar de deixar que nos façam isto! Vamos escolher o nosso caminho em consciência com o que nos faz feliz, o que nos deixa tranquilas e equilibradas. Até porque no final de contas se querem que demos o nosso melhor e acima de tudo se nós queremos estar no nosso melhor, temos primeiro de cuidar de nós. Cuidemo-nos com sabedoria sem vergonha do que os outros vão achar ou pensar. Sejamos livres e felizes!

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