Podemos e devemos SER. Podemos e precisamos TER. Os dois são importantes, os dois fazem parte, nós somos e nós temos. Mas o que me inquieta nos dias de hoje é, qual é que é mais importante para a maioria das pessoas? Qual é que estamos a priorizar ou a dar mais ênfase? Em qual colocamos mais o nosso tempo, a nossa energia, a nossa dedicação? E o que estamos a passar como mensagem olhando às nossas atitudes, para as gerações seguintes?
Todos os dias tenho pensado nisto. Assolam-me dúvidas e medos. Assusta-me o que vejo na sociedade em que vivo no particular e também no mundo em geral. A primeira questão que tenho até, olhando ao passado e ao presente, vendo o que se passou nestas últimas décadas comparando com toda a vida para trás é: Não teremos invertido os nossos valores? E atenção porque sou uma pessoa muito positiva, que vê o copo meio cheio, sou muito sonhadora, tento ver e fazer tudo com esse sentido leve e feliz. Contudo sinto exatamente isso, que estamos numa fase em que TER coisas, bens materiais, roupa, calçado, gadgets, casa, mas num nível de excesso e sempre melhor que do vizinho ou amigo, é o mais importante. É o motivo pelo qual as pessoas sofrem todos os dias. Vejo que isso está a toldar o ser humano no sentido em que não nos preocupamos com o SER! Em ser boa pessoa, ser respeitadora, ser simpática, empática, gentil, amorosa, afável, boa ouvinte, ser presente na vida do companheiro, filhos, família e amigos.
Tudo é muito acelerado hoje em dia com a globalização e com a evolução da tecnologia nos últimos anos, que são ferramentas ótimas para nos facilitar a vida quando bem aplicadas. Mas deviam existir para ajudar e não para complicar ou para nos distrair e abstrair daquilo que somos. Beneficiamos de tanto conhecimento, mas sinto que nem sempre o usamos a nosso favor. Claro que não sou nenhuma perita no assunto, isto é só o meu sentir. O que vivencio, o que ouço e vejo é que com toda esta rapidez das redes sociais, dos telemóveis e afins, as pessoas não se olham nos olhos em presença, não se escutam com entusiasmo e dedicação, cada um vive na sua bolha a tentar alcançar os seu objetivos e só isso importa. Ter o telemóvel mais recente, as sapatilhas da moda, o melhor carro é o principal objetivo de muitas pessoas e isso é assustador, até porque é essa a mensagem passada aos nossos filhos, sobrinhos, aos mais novos em geral.
Obviamente que não penso que ter conforto, ter bons objetos seja mau. Quem não gosta de viver bem, viajar com qualidade ou ter um carro seguro? Quem é que não quer roupa boa, calçado duradouro, ter uma casa confortável? Eu quero claro e trabalho bastante para alcançar o que acho importante para mim a nível material. Todos nós precisamos desses bens para viver. Tenho os meus sonhos de vida e tenho objetivos que gostaria de ver cumpridos e por isso batalho para os ter. Agora, o que tenho mudado em mim é não viver prisioneira de ser feliz só quando compro coisas, só quando adquiro um bem. A minha felicidade depende primeiro de quem sou como pessoa, como ser individual, das minhas características, do meu autocuidado e autoconhecimento. Depende, de ver o meu filho e o meu marido com saúde, com alegria a partilharem vivencias comigo. Depende dos momentos com a família e amigos a rir duma parvoíce qualquer ou a chorar as suas mágoas ou preocupações e tentar ajudá-los a ultrapassar. Celebramos todas as nossas conquistas: do pequeno na escola, as nossas nos nossos trabalhos/projetos, se conseguimos comprar algo que queríamos muito e nos vai melhorar a vida. Mas o equilíbrio do SER e do TER, o colocar o SER com mais importância, aí é que está o cerne da questão.
Quero ser mais presente para mim própria, ao cuidar de mim, e ao estar mais presente para os meus. Ensinar ao meu filho que SER é bem mais importante do que TER, mesmo não sabendo se vai acatar, estou a transmitir estes valores e depois ele decidirá o melhor para si. Aliás melhor do que dizer é sempre fazer, aprende-se muito mais por exemplo. Ensinar-lhe que o TER muitas vezes destrói famílias, lares e esgota as pessoas nessa senda, quando passa a ser o mais importante e o mais valorizado. E o que temos hoje, podemos deixar de ter amanhã, a vida às vezes prega-nos partidas. Por isso mesmo se valorizarmos menos os objetos e mais as pessoas da nossa vida, mesmo que algo assim aconteça, sabemos reorganizar-nos, ir buscar força às nossas pessoas e nós e voltar a conquistar o que for necessário. Recomeçar sempre que for preciso e perceber que objetos vêm e vão. Podemos sempre voltar a ter o que perdemos, mas sem sermos saudáveis, sem sermos genuínos, respeitadores, educados, trabalhadores, gentís, e tantas outras características, dificilmente conseguimos.
Quando tenho algo novo, quando compro alguma coisa para mim, para os meus ou para a casa, faço escolhas cada vez mais consciente e penso bem antes de comprar. Será que realmente preciso disto? Posso comprar de uma marca sustentável? Posso doar ou vender o que já não me faz falta e depois sim compro o que preciso? Minimalismo é o que mais tento aplicar na nossa casa e tento que o marido e filho também. Prefiro ter menos, com qualidade e duradouro, do que muito que acaba por ficar tantas vezes esquecido.
Tenho estado mais presente em casa, na nossa vida. Temos conversado mais, partilhado mais (sejam opiniões, sentimentos, ideias), temos cozinhado mais em família, dado passeios a pé, meditamos juntos. Tudo pequenas coisas que nos ajudam a estarmos mais conectados e no Aqui e no Agora.
Parece-me que as relações sociais, afetivas e familiares, a par dos valores inerentes a essas relações, estão muito diferentes, para pior e que é uma consequência de alguns modernismos e egoísmo geral associados até ao foro psicológico. Sinto que as pessoas se isolam porque não se sentem apoiadas ou compreendidas. Que se isolam porque sentem não encaixar ou pertencer a um grupo onde se sintam aceites como são. Ou isoladas, porque realmente a família e/ou amigos já lá não estão. As pessoas estão psicologicamente afetadas por tudo isto e outras questões sociais e políticas, claro, a par desta azafama da vida, desta correria para ter coisas e no fim andamos todos doentes, a precisar de colo, carinho, atenção e compreensão. Andamos a precisar de SER, de sermos livres, sermos um só com a natureza que nos reequilibra, de sermos entendidos e ouvidos.
Ainda assim insisto em acreditar que existem já pessoas que estão a tentar voltar mais às raízes, no sentido de uma proximidade à natureza, a praticar o slow living (viver com calma), a aproveitar os momentos e saboreá-los porque a vida é boa se for saboreada devagar e intensamente. Sim, porque viver mais presente, mais consciente não é deixar de sentir com intensidade, pelo contrário. É permitir sentir tudo o que possa surgir, compreender até e aceitá-lo. Só assim nos conhecemos melhor e conhecemos os outros e o que nos rodeia. Não vou dizer “ai, antigamente é que era porque as pessoas viviam melhor, sem a tecnologia e sem telemóveis e tal”. Volto a reiterar que estes tempos de hoje têm muitas vantagens se soubermos aproveitar bem, mas não posso deixar de reparar que antigamente se dava importância ou mais importância ao SER do que ao TER, de uma forma geral, e que se saboreavam melhor os momentos. Então aqui o importante é equilibrar o que a era moderna nos oferece, com o que sabemos que nos faz bem do antigamente.
Fico feliz por ver realmente cada vez mais pessoas interessadas em caminhar na natureza, em fazer retiros coletivos ou individuais, libertar traumas ou trabalhar noutros temas importantes, fazer meditação, praticar o autocuidado com massagens, com reiki, etc. Quero acreditar então que apesar de tudo o que descrevi, estamos a ganhar uma maior consciência do que está a acontecer e por isso vamos ser capazes de nos puxar uns aos outros e melhorar as nossas questões individuais e sociais, que vamos praticar a entreajuda e vamos curar-nos uns aos outros em amor e harmonia. Vamos SER mais, sem deixar de TER, somente ter em consciência.